Tribunal Constitucional volta a chumbar Lei da Eutanásia

O Tribunal Constitucional chumbou a a Lei da Eutanásia esta segunda-feira, após o diploma, aprovado na Assembleia da República após alterações, ter sido enviado para os juízes do Palácio Ratton, por Marcelo Rebelo de Sousa, para revisão, no início de janeiro.
Os juízes do Palácio Ratton consideraram várias normas do diploma “inconstitucionais”, mas dividiram-se nos votos em alguns aspetos da lei.
O anúncio foi feito em sessão na sede do TC, em Lisboa, pela juíza relatora, Maria Benedita Urbano, e depois foi explicado, em comunicado lido pelo presidente, João Caupers. A decisão foi tomada por maioria, de sete juízes contra seis.
No comunicado final feito pelos juízes do Constitucional, foi explicado que o tribunal “decidiu por maioria pronunciar-se pela inconstitucionalidade de algumas normas”. Em causa, segundo explicaram os magistrados está o facto de na partícula da lei que caracteriza o sofrimento do potencial paciente que quer recorrer à eutanásia como “físico, psicológico e espiritual”, não ser claro sobre se as três características terem de existir em simultâneo para que a lei seja aplicada, ou se basta uma das dimensões desse sofrimento.
Os juízes recordaram a anterior versão apresentada, depois de aprovada na Assembleia da República. “A expetativa do tribunal era que nela tivessem sido introduzidas as modificações insinuadas. Desenvolveu esforços na densificação e clarificação de alguns conceitos, mas optou por ir mais além, alterando em aspetos essenciais o projeto anterior”, considerando que a opção “teve consequências”.
Na nova fiscalização feita às normas alteradas entre esta a e anterior versão, conclui o Constitucional que, “tendo o legislador decidido caracterizar a tipologia de sofrimento, através da enumeração de três características, físico, psicológico e espiritual, ligados pela conjunção ‘e’, são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas este preceito”.
Os magistrados consideram que fica levantada a dúvida legítima, face à forma como a lei está escrita, sobre se “a exigência é cumulativa ou alternativa”.
Os juízes exemplificaram com o caso de um doente com cancro com esperança de vida muito limitada, ou um doente com esclerose múltipla amiotrófica, mas sem sofrimento de grande intensidade tinham acesso à morte medicamente assistida.
Foi criada uma “intolerável definição contra o atual âmbito de aplicação da lei”, segundo estipularam os magistrados.
Os juízes do Tribunal Constitucional recordaram os anteriores pareceres de que o “direito a viver não pode transformar-se no dever a viver” e que as condições para acesso à eutanásia “têm de ser claras, antecipáveis e controláveis”.
Este foi o terceiro decreto aprovado no parlamento sobre a eutanásia e a segunda vez que o chefe de Estado, nesta matéria, requereu a fiscalização preventiva, no dia 04 de janeiro.
Na sequência desta pronúncia, o Presidente da República terá de vetar o diploma e devolvê-lo à Assembleia da República.
Esta é a segunda vez que o Tribunal Constitucional chumba um decreto sobre o tema da morte medicamente assistida.
A primeira vez foi em março de 2021, altura em que os juízes deram razão às dúvidas levantadas pelo Presidente quanto aos “conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida, e consagra a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar”.
“A certeza e a segurança jurídica são essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias”, começa por defender a Presidência ao recordar que, em 2021, “o Tribunal Constitucional formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre morte medicamente assistida – que considerou inconstitucional – e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República”, alegou desta vez o Presidente da República, no pedido de fiscalização.
Assim, Marcelo Rebelo de Sousa optou por requerer novamente a fiscalização do Decreto, acabado de receber, “para assegurar que corresponde às exigências formuladas em 2021”.
Esta era uma opção já em cima da mesa, dado que anteriormente o Presidente da República revelou que tomaria a decisão em menos de 24 horas, decisão que surgiu após o presidente da Assembleia Legislativa da Madeira José Manuel Rodrigues ter enviado uma carta a Marcelo Rebelo de Sousa a pedir que o diploma “não seja promulgado, por violação da lei e da Constituição”, uma vez que a Assembleia da República “não solicitou o parecer às regiões autónomas”.
O Presidente recordou ainda que, “quanto ao acesso dos cidadãos aos serviços públicos de Saúde, para a efetiva aplicação desse regime substantivo, o diploma só se refere a estruturas competentes exclusivamente no território do Continente (Serviço Nacional de Saúde, Inspeção-Geral das Atividades de Saúde, Direção-Geral de Saúde), em que não cabem as Regiões Autónomas”.
“O que significa que diploma complementar, que venha a referir-se aos Serviços Regionais de Saúde, que são autónomos, deverá, obviamente, envolver na sua elaboração os competentes órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”, argumentou.
Depois de o Chega ter recorrido da decisão do presidente da Assembleia da República de rejeitar a reclamação por inexatidões no decreto sobre a morte medicamente assistida, o diploma da Lei da Eutanásia foi hoje, de novo, discutido em sessão plenária.
O Chega apresentou uma reclamação ao presidente do parlamento, alegando que a redação final do decreto difere nalguns pontos daquilo que foi aprovado, levantando “indesejáveis dúvidas e incertezas jurídicas de interpretação normativa”.
Segundo o partido de André Ventura, os serviços do parlamento “não se limitaram a aperfeiçoar a sistematização do texto e o seu estilo, antes modificaram o pensamento legislativo”.
Augusto Santos Silva rejeitou depois a reclamação do Chega, justificando que a redação final não modificou o pensamento legislativo, limitando-se a aperfeiçoar texto e estilo.