Crise energética: Como o plano de Putin de chantagear a Europa com o fornecimento de gás falhou

Os avisos, alertas e previsões do pior no mercado da energia repetiram-se durante os meses do verão passado. A Alemanha avisava para encerramentos “catastróficos” de indústrias inteiras e desemprego em massa, França apelava a que se desligassem os aquecedores e no Reino Unido a antecipavam-se ‘apagões’ intensos de várias horas por todo o país. Por outro lado, perante as ameaças do corte de fornecimento de gás natural, feitas por Putin, a Espanha questionava porque países que não dependiam dos combustíveis russos deviam ‘salvar’ os que outrora lhe deram raspanetes sobre o regime fiscal.
Uma coisa é certa, o cenário antecipado, especialmente por Putin, de caos e escassez de gás, com uma Europa a gelar perante o inverno, não se concretizou.
Medvedev, antigo presidente russo, antecipava um inverno em que os europeus “estarão a congelar nas suas casa” porque não previram os efeitos que teria o seu apoio à Ucrânia e avisava que “o frio chegará em breve”. Mas não chegou. Ou melhor, chegou, mas sem o efeito esperado.
Em oito meses desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia, o bloco dos 27 conseguiu substituir 80% do gás natural que recebia da Rússia, através da rápida construção de nova infraestrutura de gás natural liquefeito, e da descoberta de novas formas criativas de entreajuda no âmbito de escassez, bem como de aplicação de estratégias e políticas de poupança de energia.
Nos Países Baixos, por exemplo, o maior produtor de gás natural da UE, antes dependia-se do gás russo em 15 a 20%, mas agora a capacidade de exportação e de armazenamento duplicou com novas unidades de regaseificação em Roterdão e Eemshaven.
A região usou a sua capacidade extra para responder ao mercado doméstico, que reduziu 22% face a outros anos em termos de procura (devido a políticas de poupança), ao mesmo tempo que vendeu o excesso à Chéquia, Alemanha ou França.
“A Europa consegui, mesmo assim, evitar a tentação do protecionismos e conseguiu manter o seu mercado interno intacto”, aponta Simone Tagliapetra, especialista em energia do grupo belga Bruegel.
Ao longo do último ano, a procura de gás na União Europeia foi 12% inferior à média do período entre 2019 e 2021, estima o observatório Bruegel. A própria Alemanha, que antecipava ser a mais afetada pela ‘guerra’ do gás com Putin, e apontada nas ameaças do Kremlin, conseguiu usar 14% menos gás em 2022, face ao gasto médio anual dos anos de 2018 a 2021.
A Alemanha entra assim em fevereiro com o armazenamento de gás natural, não só a níveis de ‘desfalque’ bem longe do anunciado, como até bem superiores a outros anos. As reservas estão a 80%, quando na mesma altura, no ano passado, não passavam dos 36%.
Nos países nórdicos, a redução do consumo foi levada a cabo com ainda mais sucesso: na Dinamarca reduziu-se 24%, na Suécia 36% e na Finlândia 47%.
França ainda tremeu, já que viu grande parte dos reatores nas centrais nucleares alvo de manutenção, entre maio e outubro, mas os planos de contingência de Macron revelaram-se um sucesso. A situação está estabilizada e, em meados de janeiro, França já tinha mais de 70% das centrais nucleares me ação, permitindo-lhe voltar a ser um dos principais exportadores de eletricidade da UE.
Mas, enquanto as centrais nucleares tinham problemas, a UE ‘virou-se’ para as energias alternativas. Segundo a organização de especialistas Ember Climate, 22% da energia gasta na UE veio de produção eólica ou solar, com as energias renováveis a ultrapassarem pela primeira vez o uso do gás.
Particularmente, na Suécia, na Finlândia e Dinamarca, as ameaças de Putin e da falta de energia levaram a uma nova aposta reforçada na produção de energia a partir de fontes renováveis.
O plano falhado da Rússia acabou por resultar numa maior independência de muitos países da UE, e do bloco como um todo, do fornecimento de combustíveis russos: a Suécia tem planos para produzir 65% de toda a dua energia a partir de fontes renováveis até ao final da década, enquanto a Finlândia aponta a 51% e a Dinamarca para 55%.