Covid-19: Governo ouve hoje peritos para avaliar pandemia. Medidas atuais devem manter-se, mas abertura de escolas divide opiniões

O Governo ouve os peritos esta quarta-feira na já habitual reunião do Infarmed, que desta vez acontece em formato virtual. A última, recorde-se, aconteceu no passado dia 19 de novembro.
O objetivo é fazer um ponto de situação da pandemia em Portugal e perceber se devem ser tomadas novas medidas para travar o aumento de casos que se tem feito sentir nas últimas semanas.
Na semana passada Portugal ultrapassou pela primeira vez desde o início da pandemia a barreira dos 30 mil casos diários de Covid-19, ao registar 30.829 novos contágios. Ontem voltaram a ser mais de 25 mil infeções.
Apesar deste aumento exponencial de casos especialistas ouvidos pela Multinews são unânimes em defender que não há necessidade de aplicar novas medidas, sendo a manutenção das atuais suficiente para controlar a crise de saúde pública. Mas há um ponto em que não concordam: a abertura de escolas.
Aumento de casos é preocupante
Pedro Esteves, professor de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), alerta para uma “situação complicada” nos próximos tempos, mas que pode ser mitigada com as medidas em vigor.
“A situação já está complicada e vai complicar-se mais. Vamos ter um aumento do número e hospitalizações em enfermaria e UCI e provavelmente um aumento de mortes nos próximos tempos”, prevê.
Do ponto de vista da saúde pública, explica, “é preocupante o aumento do número de casos, porque vamos ter mais pessoas nos hospitais e um maior agravamento da situação. Agora, se vai provocar grandes mortalidades eu não acredito que o faça”, aponta.
Por outro lado, “vai aumentar a imunidade, vamos ter uma grande imunidade de grupo provocada pela ómicron, mas no futuro não sei se será bom. Com todas estas novas infeções, vamos ter também novas variantes e o que importa saber é quando a ómicron desaparecer como é que estas se vão comportar”, alerta.
Já para Gustavo Tato Borges, vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, o aumento de casos é visto “com alguma normalidade e tranquilidade, tendo em conta a época festiva que vivemos, a enorme transmissibilidade da variante Ómicron e a gravidade a que vamos assistindo”.
“Ao mesmo tempo há alguma preocupação, porque não há meios para efetuar o rastreio de contactos e a testagem de todos quanto necessitam, o que implica que será difícil quebrar este aumento de casos”, refere.
Segundo o médico de saúde pública, “corremos o risco de vir a ter um aumento da necessidade de cuidados hospitalares devido à maior probabilidade de vir a infetar pessoas mais vulneráveis”, explica mencionando também a probabilidade de surgirem novas variantes.
Medidas atuais são suficientes
Questionados sobre o que fazer para controlar esta subida de infeções, ambos concordam que as medidas atualmente em vigor, na chamada “semana de contenção“, que começou a 25 de dezembro e terminaria a 9 de janeiro, devem manter-se, à exceção das escolas.
“O que há a fazer agora é aplicar medidas que tentem evitar ao máximo o contágio. Já se percebeu que a vacina protege muito pouco, portanto temos que criar todas as medidas que evitem que o número de infeções aumente muito rapidamente, ou que mitigue esse número”, diz Pedro Esteves.
Para o responsável, “as medidas passam pela manutenção do teletrabalho obrigatório, pela limitação dos restaurantes (teste e certificado), pelo fecho de bares e discotecas, todas essas medidas que já existem e são para manter”, concretiza.
“Eu mantinha todas as medidas, à exceção das escolas (que estão fechadas), não tornava mais grave a situação e dava muito ênfase aos testes, que são absolutamente fundamentais neste processo”, defende.
Também Tato Borges considera que “o governo deverá manter a situação atual, talvez com exceção da componente letiva” e adianta que na sua opinião, “nesta fase não há nenhuma medida geral que considere fundamental acrescentar”, devendo manter-se as já referidas.
O mais importante, defende, em termos populacionais, é “acelerar a vacinação das doses de reforço e das crianças e manter a oferta de teste gratuitos à população como incentivo à testagem”.
Escolas abertas ou ensino à distância?
Quanto à possibilidade de as escolas se manterem encerradas por mais tempo – que já foi entretanto descartada pelo Governo – é um tema que divide as opiniões dos dois especialistas.
“Não sou nada favorável a fechar as escolas, acho que se devem manter abertas, porque a verdade é que todos os dados apontam para que a maior parte dos contágios não esteja a ser feito em ambiente escolar, aliás a maioria das infeções está entre os 20 e os 50 anos”, considera o investigador do CIBIO.
Segundo Pedro Esteves, “a maior parte dos casos que têm acontecido nas escolas são contaminações que vêm do exterior, é um miúdo ou dois que aparecem infetados e vai uma turma inteira para casa, mas estão todos negativos”.
“Acho contraproducente (encerrar as escolas) porque ia prejudicar tremendamente os pais e criar uma pressão maior ainda quando há outras medidas que me parecem muito mais razoáveis”, refere.
Já o médico de saúde pública não concorda a 100%. “A manutenção das férias não deve continuar mas seria prudente, apesar de alguns colegas meus não concordarem, colocar os ciclos de ensino onde as crianças ainda não estão completamente vacinadas (1º e 2º ciclos) em ensino à distância”, afirma.
“Bem sei que não é a forma ideal de ensino, mas penso que é mais adequado permitir que as crianças tenham uma regularidade no ensino, do que iniciarem aulas presenciais e, passados uns dias, serem colocados em isolamento por um período de tempo”, indica.
O responsável justifica que “terem aulas presenciais para rapidamente serem colocados em isolamento não permite que tenham uma vida regular, mas que vivam em constante sobressalto, para além de que os seus pais terão a sua vida em sobressalto”, aponta.
“Recordo que as crianças só terão o esquema vacinal completo em Março (sensivelmente) e que, até lá, são utentes de risco para contrair a infeção e transmitirem. Por muito que tenham doença ligeira, podem ter contacto com familiares mais vulneráveis, que podem contrair doença grave e vir a ser internados ou falecer”, conclui.