Paulo Reis Mourão, Professor Associado com Agregação do Departamento de Economia da Universidade do Minho, analisa as eleições presidenciais de dia 24.
As eleições presidenciais em Portugal, agendadas para o próximo dia 24, são muito especiais. Em primeiro lugar, todo o ambiente eleitoral envolvente decorre debaixo das medidas de confinamento que o país tem experimentado – a ritmos variados e de respeito diversificado pela população. Tais medidas impedem as ações públicas de campanha eleitoral baseadas na densidade dos apoiantes, símbolo da coesão identitária em redor de cada candidato e indiciadoras do favorecimento eleitoral. Assim, impondo-se a distância por questões profiláticas, as candidaturas, mais ou menos implicitamente, refugiaram-se nas redes sociais, na comunicação social e nos influencers/fakers de modo a ganhar espaço próprio.
Em segundo lugar, a previsibilidade de recondução de Marcelo Rebelo de Sousa no mandato presidencial deixa poucas dúvidas para a noite de 24 de janeiro. A maior dúvida será a de haver ou não uma segunda volta e a dúvida sucedânea será a de se saber quem disputará essa segunda volta para o passeio triunfal de Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, segundo muitos analistas, o grande incentivo para o televisor acompanhar a ‘noite eleitoral’ será mesmo a incerteza em torno do segundo candidato mais votado e como se ordenará o remanescente elegível. A questão da (também previsível) abstenção, conjugada com os receios de alguma população em esperar nas filas para as mesas de voto e com um certo descontentamento pelos teores das comunicações em redor da mobilidade consentida para o exercício do voto, pode colocar alguma indecisão adicional nas projeções na referida noite.
Em terceiro lugar, a maratona de debates round-robin, isto é, cada candidato a debater com todos os outros à vez, levou a uma concentração dos espectadores nos debates iniciais e nos debates que envolviam os candidatos projetados para a frente das sondagens. No geral, a leitura que faço desses debates aponta para as seguintes linhas:
– Marcelo Rebelo de Sousa usou os debates para manter a distância relativa aos adversários, sendo nitidamente o candidato a jogar em casa e aproveitando o tempo de antena para enviar mensagens para o Governo, para a AR e para o país, tendo havido momentos (vários) em que ele e o moderador dialogavam, anulando a presença do outro candidato;
– na disputa pelo segundo lugar, Ana Gomes assumiu uma postura muito mais serena e acrítica do que a Ana Gomes parlamentar ou comentadora, o que pode ter desiludido algumas expectativas em certos eleitores; em contrapartida, André Ventura recebeu os holofotes pedidos e atirados, isto é, povoou as redes sociais, foi citado exponencialmente nos media, recebeu a publicidade que sabia que estas eleições dariam. O Chega arriscou com a aposta monolítica em Ventura (ao contrário, por exemplo, da Iniciativa Liberal, que apresentou um candidato sem anterior exposição notória) e fica a dúvida se o partido pode apresentar quadros autónomos para lá de Ventura em eleições vizinhas ou se a liderança de Ventura não começará a ter concorrência depois de janeiro de 2021;
– no resto do pelotão, uma Marisa Matias sem o fulgor de outras corridas eleitorais ou João Ferreira a cumprir os mínimos pedidos e esperados pela CDU acabaram por dar espaço à expressão de Tino de Rans que aliou a figura inocente tradicional a uma preparação com alguma solidez (talvez algo inesperada) nas diversas abordagens. Resta referir Tiago Mayan que tentou gerir algum espaço para o ideário da Iniciativa Liberal num desafio nitidamente pouco sucedido.
Estas linhas foram escritas antes do início da campanha oficial para as Presidenciais. Como comecei por antever, a campanha que oficialmente agora decorre será fortemente condicionada pelo confinamento geral. Será, pois, de esperar que as diversas candidaturas dediquem ainda mais atenção aos media e às redes sociais, refúgio natural da população confinada. Tal previsão poderá levar a fake news ainda mais frequentes, ao exacerbar das expressões e à sublimação dos opinion makers/influencers. Nesse aspeto, confesso alguma expectativa, sobretudo na tal luta pela ordenação do segundo mais votado até ao último mais votado.
No entanto, a conjugação da severidade desta terceira vaga em Portugal com as consequências socioeconómicas da mesma e do confinamento vão trazer dias muito complicados para o Governo Costa, que ainda tem de gerir a Presidência do Conselho da União Europeia, cenário ideal para líderes com reputação carismática mas cenário intenso para líderes com reputação fragilizada. Portanto, o/a próximo/a Presidente da República terá de ser um bom médico para este cenário de urgências em alarme. Adivinha-se, pois, um longo inverno de descontentamento geral.